Meus queridos,
Estas são algumas palavras que eu duvido conseguir expor adequadamente na língua de vocês, então, eu o faço na minha... E espero algum dia ter a felicidade e a decência de sabê-la realmente bem, pra vocês também verem como eu progredi... Por enquanto, uso a minha mesmo... Eu poderia ficar aqui escrevendo por horas sobre as coisas da vida e como vocês as encontrarão caminho a frente, em momentos bons e ruins da vida de vocês, mas não faz sentido explicar sobre coisas que são melhores quando descobertas e vividas na idade certa... assim, apenas uma coisa sobre isso tenho a dizer: no futuro, quando vocês se depararem com elas, por favor, guardem estes momentos no coração e na alma de vocês, pois eles sempre os alegrarão nos dias difíceis e sempre os ajudarão a serem humildes e gratos nos momentos de extrema felicidade...
Quando a gente percebe que uma coisa muito boa aconteceu na nossa vida, nós dificilmente queremos que ela acabe. É assim que eu me sinto. Estou tão, mas tão feliz por vocês, por este momento tão importante, por uma vida inteira que se abre além dos muros da nossa escola, mas tão triste e cabisbaixa por vocês irem... Vocês não estarão por aqui, mas estarão em outras escolas, com outros amigos e outros professores, com uma vida e um milhão de descobertas que os farão serem os melhores adultos do mundo, eu tenho certeza disso! Mas eu sinto uma pontinha de ciúmes de todas as pessoas que ficarão mais próximas de vocês e eu, não... Tenham certeza de que vocês causarão muito deste sentimento em outras pessoas: nos amigos que vem e vão, na família que um dia será a própria de vocês e não somente aqueles de hoje, nos namorados e namoradas que um dia serão trocados por outros até vocês encontrarem uma pessoa especial, nos colegas de trabalho que vocês deixarão de conviver diariamente por uma oportunidade melhor... Mas este sentimento não é ruim, é apenas melancólico... porque a gente sempre tem saudade de tudo o que é bom...
Quando eu comecei a lecionar, eu não sabia bem ao certo o que era isso ou o que significava isso. Eu sempre adorei estudar, sempre gostei dos meus professores, sempre tive objetivos e sempre fui franca em dizer que eu buscaria o melhor para mim. Minha paixão pela vida e pelas coisas que eu acredito sempre me fizeram seguir em uma determinada direção, mas a vida prega tantas peças na gente e eu acabei por ser professora. E eu imaginava que, assim como eu fui quando estudante, uma grande parte dos alunos também seria hoje. O mundo mudou tanto de lá pra cá (não, eu não sou velha!) e eu não me encontrava dentro da sala de aula. Foi difícil! Foi muito difícil... ver tantos alunos perdidos, ver tanto talento desperdiçado, ver tantos profissionais desanimados... E depois de alguns anos, eu comecei a trabalhar nesta escola. Nesta escola que, assim como vocês foram acolhidos, eu também fui... Devo dizer que vocês foram bem pestinhas no começo! Em todos os sentidos! E a comunicação nunca foi fácil... mas as coisas conseguiram se ajeitar e hoje eu estou aqui, quase chorando, pra dizer a vocês: Obrigada!!! Muito obrigada, meus queridos alunos!!! Eu não fui a professora de vocês, foram vocês meus professores! Foi com vocês que eu aprendi que é possível ensinar, que é possível se divertir enquanto se faz isto, que é possível admirar um jovem de 15 anos tanto quanto um velho sábio de 90!!
Pra vocês que voarão por aí, acreditem! Se é possível mudar uma pessoa, por que não é possível mudar umas quinhentas? A vida e a juventude são capazes de fazer isso; trazer ares novos e ideias antes esquecidas ao mundo!!! Não desanimem com as inevitáveis dificuldades que vocês encontrarão pelo caminho: elas serão necessárias pra vocês serem pessoas melhores, para vocês alcançarem os objetivos de vocês, para vocês mudarem um pouco do mundo... Acreditem que o mundo é bem maior do que vocês hoje pensam! Ele pode parecer enorme, mas ele é maior ainda... Façam tudo o que desejarem com responsabilidade, com educação, com respeito e com inteligência! E eu espero os encontrar daqui a alguns anos, em algum momento da vida, pra lhes abraçar e para lhes agradecer mais uma vez!!
Um beijo enorme!!!
Erica
Todo meu carinho ao 9A, 9B, 9D e aos três do 9C mais que querido: Patrícia linda, de verde, divando do alto da sua cadeira de rodas, extasiada ao chegar na escola e ver todo mundo tão bonito quanto ela; Rayane glitterizada, de azul, que tava num dia bem Rayane, não quis falar comigo, riu debochada e escandalosamente ao me ver de turbante e me mandou embora algumas vezes (não estranhem, é afeto); e Frederico, estranhando porque estava sem terno, que fez uma entrada magistral, toda perdida e autoral, cheia de idas e voltas e uma agachada no meio da passarela pra ser fotografado em hora "imprópria". Patrícia, Rayane e Fred, deficiência intelectual é só uma nomenclatura pejorativa daqueles que definiram o que é normalidade num mundo tão heterogêneo como o nosso, um termo repleto de preconceito e carga negativa pra definir aqueles que não se encaixam na normatividade cognitiva esperada por todos. Eu aprendi tanto com vocês! Desde o primeiro dia até ontem, pude ser abraçado a cada dia que vi Patrícia, minha mimada preferida, se nos vimos 100 vezes, 100 vezes fui abraçado carinhosamente; pude ser fortemente abraçado e fortemente rechaçado pela Rayane em questão de segundos, minha bipolarzinha preferida, sendo chamado de lindo, de feio e principalmente de folgaaaadooo durante o ano; e pude ser agraciado pela competência e capricho de Frederico, meu fotógrafo preferido. Deficientes não são vocês, deficiente fui eu em não entender muitas vezes as demandas necessárias e urgentes que vocês traziam, demorei a entender que mesmo com aula planejada, trabalhar no 9C é saber como introduzir os conceitos mas permitir que vocês conduzam a aula pra nunca saber como vai terminar. Tão inteligentes, a despeito do termo que lhes denominam, que posso dizer que foi a turma que mais me ensinou nesses poucos 11 anos de magistério. O que vocês "perdem" em cognição ganham em liberdade. É isso! Vocês são LIVRES! Tão livres que foram embora sem se despedirem de mim, tão livres que nem sabem que um ciclo terminou, tão livres que não se permitiram acompanhar a burocracia do ensino e fizeram do ensino fundamental uma festa. Brigado, anjos, a todos, mas bem mais aos três.
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